Uma infância muito solitária
A minha infância foi muito solitária. Tão solitária que, ainda hoje, sinto uma ponta de angústia quando percebo que uma criança não tem irmãos.
É um sentimento que em nada está relacionado com a criança em causa. É algo meu, muito pessoal e totalmente relacionado com a minha experiência.
Vivi a minha infância numa solidão imensa, não só porque brincava sempre sozinha, mas principalmente porque interpretava o mundo sozinha, geria sozinha os meus pensamentos e as minhas emoções. E, muitas vezes, a imaginação que uma criança mistura com a realidade na construção da sua visão do mundo, não é colorida nem leve, mas cheia de medos e de incertezas.
Sempre senti muita falta de ter alguém com quem partilhar ideias, com quem viver as experiências mais banais do dia, com quem partilhar brincadeiras, as refeições, as descobertas, tudo e mais alguma coisa.
Antes de descobrir os livros e deixar a minha mente fugir para dentro deles, costumava desenhar muito, escrever, inventar histórias e brincar com os gatinhos que ia encontrando e levando para casa. Lembro-me de conversar com as flores do quintal e inventar uma família dentro de cada vaso. Todas as galinhas e coelhos da minha avó tinham nome e uma personalidade própria.
Claramente, poderia ter-me beneficiado conviver com mais pessoas da minha idade quando era pequena.
Lembro-me de inventar grandes debates onde eu fazia as vezes de fortes oponentes que, como advogados de causas opostas, discutiam avidamente um assunto fraturante.
Talvez tenha sido por ter tido uma infância tão solitária que hoje tenho três filhos. Como qualquer pai ou mãe, esforço-me por lhes dar exatamente aquilo de que senti mais falta. Não sei se é o melhor para eles, mas é algo de que me orgulho muito.
Vê-los a crescer juntos, a partilhar experiências, a fazerem desenhos uns para os outros, a chamarem os irmãos para lhes mostrarem novas conquistas, coisas que já sabem fazer e coisas engraçadas que descobriram, aconchega a criança que fui.
Hoje gosto de alternar momento curtos de solidão com momentos, muito mais longos, de convívio. Gosto de estar sozinha para voltar àquele lugar especial na minha mente onde encontro todo o tipo de coisas estranhas e fantásticas, mas, depois, preciso de voltar ao mundo aconchegante onde existem outras pessoas, pessoas que podemos abraçar e com quem podemos conversar.