A Lara tem 11 anos. Em teoria, acho que sou mãe de uma pré-adolescente há dois anos, mas nunca o notei. A Lara, para mim, é ainda uma criança. É assim que a vejo e é assim que ela se vê. Parece-me pouco interessada na adolescência e em crescer, assumindo as mudanças que se avizinham com uma resignação despreocupada — típica da sua personalidade. Continua a dar-se muito bem com meninos mais novos do que ela e a gostar, acima de tudo, de brincar, criar coisas e divertir-se. Se (...)
Lembro-me bem de ter 5 anos. Lembro-me de ter a cabeça cheia de dúvidas existenciais, questões filosóficas tão grandes e abrangentes que ainda hoje vivem na minha mente. Curiosamente, o Eduardo, agora com 6 anos, parece ser o meu filho que herdou essa veia filosófica da mãe. Entre as suas muitas perguntas de caráter mais prático, como: “Como é que os peixes respiram?” ou “Como é que vou ganhar dinheiro quando for crescido?”, surgem outras como: “Existe um espírito no (...)
Quando eu tinha 13 ou 14 anos, ainda não era verdadeiramente uma adolescente. Cresci mais tarde — talvez só a partir dos 15. Durante toda a minha infância, até essa idade, tive poucos estímulos exteriores. Tínhamos apenas dois canais de televisão, com uma programação limitada e pouco variada. Não havia internet, nem redes sociais, nem dispositivos móveis. Não frequentava qualquer atividade extracurricular — tirando uma breve passagem pelas danças de salão, aos 13 — e (...)
Visitar Paris nunca foi, para mim, um desejo presente. Por um preconceito sem grande fundamento, mas que carrego há muito tempo, sempre que vejo uma grande quantidade de pessoas a seguir um determinado caminho, começo automaticamente a procurar alternativas. Tenho uma espécie de aversão a seguir as massas, embora o faça de muitas formas, muitas vezes sem me aperceber. Com cidades como Paris e Nova Iorque, acontecia exatamente isso. Paris é uma das cidades mais visitadas do mundo, e (...)
Quando era pequena, antes de entrar para a escola primária, tinha uma “ama”, que era, na verdade, uma vizinha que não trabalhava e tomava conta da sua neta, que tinha a mesma idade que eu. Quando me lembrava dela, costumava pensar que não era muito simpática, porque ajudava a neta a ganhar-me em jogos de cartas e, em conversa com outras vizinhas, comentava — mesmo à minha frente — que eu era uma “Maria Rapaz”: muito irrequieta e sempre toda suja de andar a trepar árvores (...)
Este ano, o Eduardo começou o primeiro ano e estava muito entusiasmado com a ideia. Sempre adorou fazer trabalhos com letras e números na pré-escola, por isso prevíamos que tudo iria correr bem. A Lara começou o primeiro ano durante a pandemia e, com os três miúdos em casa, as coisas não correram às mil maravilhas, mas ela lá se foi safando. Já a Maria estava nervosíssima com o primeiro ano, receosa de não conseguir aprender a ler e a escrever, e insistia para que lhe (...)
Na escola onde estudei – do 5.º ao 9.º ano – e também na primária, presenciei várias formas de bullying. No entanto, nem tudo se qualificava como bullying. Havia também episódios de violência isolada que, embora não fossem repetidos, mereciam igualmente atenção. Era comum ver miúdos a lutar, cabeças partidas por pedras, e grupos a gozar com crianças específicas. Quando olho para trás, não tenho a certeza se sofri muito com os outros miúdos. Lembro-me de estar (...)
A Lara e a Maria têm frequentado um curso de pintura nas férias. O atelier ficava perto do nosso apartamento, e a Lara, que sempre gostou de pintar e desenhar, começou a ir ao curso durante as férias de verão. Mais tarde, a Maria juntou-se a ela, e este ano, a Maria já foi sozinha. Do curso, resultam sempre cerca de quatro quadros feitos pelas miúdas e, entre oferecer aos avós e a amigos, os quadros começaram a acumular-se cá em casa. Até que um dia, duas talentosas designers, (...)
Quando andava na escola da vila onde nasci, e até ao 10.º ano, quando fui para uma escola maior, sempre me senti muito diferente e desenquadrada. Ou porque era mais baixinha do que todas as raparigas da turma, ou porque me vestia muito mal, ou porque era extremamente tímida, porque não tinha tema de conversa com as outras raparigas, porque falava de coisas estranhas, porque não tinha interesses ou não os sabia mostrar, porque não tinha atividades fora da escola, porque não havia (...)