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Vinil e Purpurina

Parafernálias sobre a minha vida e a minha mente.

Vinil e Purpurina

Parafernálias sobre a minha vida e a minha mente.

Ter | 25.04.23

Porque é que não devemos esquecer o 25 de abril?

image 7.jpeg(Imagem daqui)


Por muitas razões. Tantas que seria preciso muito mais do que umas dezenas de linhas para as descrever de forma resumida.

Por isso vou falar apenas de uma delas, a que a minha família, igual a tantas outras, viveu.

Nasci depois do 25 de abril.
Nunca me faltou comida, acesso à saúde e à educação. Estudei em escolas públicas e, na minha infância, mesmo que fosse necessário ir a um médico particular, os meus pais tinham os meios necessários para o providenciar.

Se algum dos meus pais ficasse sem emprego teria, pelo menos durante algum tempo, um subsidio que lhes permitiria pagar as contas essenciais.

As escolas onde estudei não eram perfeitas, mas tive acesso a livros e a bibliotecas que me ensinaram o que não aprendia na escola e nunca houve, realmente, qualquer tipo de censura em relação ao que podia ler, escrever ou pensar.

Nunca senti, na pele, a realidade que a maior parte do povo, principalmente quem vivia em zonas rurais, vivia antes do 25 de abril de 1974.

Mas, muitas das pessoas da minha família, viveram muito mal durante a ditadura de Salazar. 

A minha avó paterna, que ajudou a criar-me e que me passou muitos dos valores que estruturam a minha vida até hoje, era analfabeta. Ir à escola nunca foi uma possibilidade para ela.

A minha avó Leontina nunca a aprendeu a ler e escrever, não por falta de capacidade ou vontade, mas porque, desde criança, tinha de trabalhar para ajudar no sustento da casa. Os seus pais, embora trabalhassem durante muitas horas e muito arduamente, ganhavam apenas o suficiente para (mal) sobreviver. Os meus bisavós e a minha avó, antes do 25 de abril,  não conheciam outros direitos que não o de trabalhar de sol a sol para ganhar menos do que o suficiente para comer e alimentar os filhos. Para eles, e para milhares como eles, não havia educação ou cuidados de saúde garantidos, apenas os que alguns médicos mais humanistas prestavam, por caridade.

Pessoas que trabalhavam arduamente em benefício dos patrões, nunca viam o valor do seu trabalho reconhecido e  eram, de forma aceite pela sociedade e por eles próprios, vistos como pessoas inferiores, sem educação e sem qualquer oportunidade de saírem, por mérito do seu trabalho e do seu valor, da sua situação precária.

Se por algum motivo algum membro da família deixasse de poder trabalhar, não existiam providências do Estado para a sua sobrevivência e só lhe restava mendigar junto à igreja ou noutro local estratégico da via pública. Talvez fosse por isso que via sempre a minha avó a dar "esmolas" a qualquer pessoa que lhe pedisse, mesmo que eu soubesse que se tratavam de pessoas "de má fé". A minha avó dava sempre porque, na mente dela, eram pessoas que realmente não teriam o que comer, ou que precisam de alimentar a família, tantas foram as que ela conhecera nessa situação, mesmo na sua família.

Alguns proprietários eram justos e valorizavam, por conta própria, os seus trabalhadores. Ouvi falar disso, também. Mas os destinos dos homens e mulheres que trabalhavam estavam sempre dependentes da boa vontade de quem os contratava e, realistas do mundo saberão que homens de boa vontade é fenómeno que não abunda.

Depois do 25 de abril as coisas mudaram, definitivamente, para melhor, para a maior parte das pessoas. Agora, embora permaneçam muitas desigualdades sociais, existem mais oportunidades, mais conhecimento e mais formas de mudar de vida.

50 anos depois do 25 de abril, a situação do nosso país não é perfeita. Mas não afirmem que antes era melhor. Até podia ser, mas para muito poucos.

A minha avó, nunca aprendeu mais do que algumas letras que ensinei em criança, mas, depois do 25 de abril, nunca mais passou fome, nem viu os seus familiares passarem necessidades. Passou a ter acesso gratuito à saúde e, para seu grande deleite e mal dos seus dentes que se foram todos, pode comprar bolacha Maria sempre que lhe apetecia. Podia dar-se ao luxo de comprar leite e até iogurtes. Podia fazer pão de ló e arroz doce com regularidade (os doces mais saborosos que já comi).

Eu nunca senti na pele o que era a vida de um trabalhador rural (e de tantos outros) antes do 25 de abril, mas sei o suficiente para sentir, com convicção, quais são as causas que quero e devo abraçar. 

É preciso que o 25 de abril não seja uma memória de "velhos". É preciso ensinar às nossas crianças porque é que existem tempos para os quais não queremos voltar.

É preciso, acima de tudo, ensinar às nossas crianças que somos todos iguais, que temos direito a oportunidades iguais e que o que nos distingue, tem de ser as nossas ações e o nosso mérito e nunca o que o sistema, seja ele qual for, quer que sejamos.

 

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