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Vinil e Purpurina

Parafernálias sobre a minha vida e a minha mente.

Vinil e Purpurina

Parafernálias sobre a minha vida e a minha mente.

Sab | 25.07.15

Contos #3 A Palavra

Tenho a certeza que a nossa relação foi definida por aquelas palavras. Mais do que tê-la retirado de um cenário de violência, recolhê-la no colo e afastá-la daquela amálgama de gritos, foi o facto de a ter olhado nos olhos e dito a verdade que criou um elo inquebrável entre nós.

 

Já não me lembro como fui parar àquele cenário. Um piso de terra batida, salpicado aqui e ali e de erva miúda, um espaço entre duas casas e um conjunto de pessoas barulhentas nesse espaço. Todos meus familiares: meus tios, meus primos, meus pais.

 

Os meus pais faziam parte dos assistentes.

 

Alívio.

 

É o meu tio mais novo e o pai dela.

 

O pai dela com as mãos no pescoço do meu tio mais novo. As mulheres, pálidas. Soltam-se impropérios e palavras que tentam forçar a separação dos corpos. Não vi gestos que os tentassem apartar. Só palavras.

 

Depois vi-a a ela.

 

Escassos metros afastavam-na das outras pessoas. Os olhos, de onde rolavam lágrimas grossas, fixos no pai. Tinha uns três anos que, naquele momento, faziam maior a sua angústia, mais desesperante o seu abandono, mais violenta a sua inocência.

 

E ninguém a vê-la. Ninguém a colocar no seu saco de prioridades o sofrimento dela. Todas as atenções centradas nos dois homens, adultos, e na sua discórdia levada a níveis mais carnais.

 

Eu a correr para ela. A pegá-la ao colo. A aconchega-la contra mim com uma ternura que me era desconhecida. Eu a levá-la para longe dali. Na minha mente, nem um milésimo de atenção dedicada aos homens, adultos, grandes, crescidos.

 

Eu não era crescida.

 

Era uma adolescente com pouca paciência para crianças.

 

Ela perguntou-me na sua voz de bebé: Porque é que o meu pai é tão mau?

 

E eu respondi-lhe com a verdade que conhecia, com as palavras com que falaria com um adulto: O teu pai não é mau. O teu pai é uma pessoa. E as pessoas são assim. Ela parou de chorar.