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Vinil e Purpurina

Parafernálias sobre a minha vida e a minha mente.

Vinil e Purpurina

Parafernálias sobre a minha vida e a minha mente.

Ter | 30.04.24

Ainda sobre o 25 de abril

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Foto daqui.

Escrever, seja o que for, sobre a revolução de 25 de abril é, para mim, muito difícil. Sinto que tenho muito pouca autoridade para falar sobre uma data tão importante para Portugal e para a vida de todos os portugueses. Nasci depois do 25 de abril e se tive uma vida mais fácil e leve foi, com certeza, porque esse dia existiu.

E ter uma vida leve, alegre e feliz pode não ser um facto muito conducente a grandes reflexões sobre a existência e sobre as dificuldades que desconhecidos tiveram para nosso benefício.

Apesar desta distância que tenho do acontecimento em si, esta data sempre esteve muito presente nas conversas de família. Claro que, quando era criança, não percebia a dimensão daquele dia, mas, com a idade e mais algum conhecimento, é impossível ficar indiferente.

Eu sou um produto do 25 de abril. Se esse dia não existisse, a minha forma de ser e de estar, muitas vezes pouco consensual, seria certamente reprimida ao máximo. Bom... não que eu seja uma grande revolucionária ou incomodativa (se calhar incomodativa posso ser). Sou ocidental, branca, heterossexual, mãe, trabalhadora por conta de outrém, contribuinte. Isto só melhorava se fosse casada, rica e homem. Assim sim.

Mas, tudo o que sou ou deixo de ser é uma escolha minha. E é uma escolha possível por causa do 25 de abril. Eu posso trabalhar no que quiser e conseguir, posso viajar sozinha e até ter filhos sem ser casada, sem que ninguém me aborreça muito, porque existe mais liberdade do que existia antes. Eu consigo alimentar os meus filhos porque me pagam mais do que o estritamente necessário para não morrer de fome. Pude estudar. Tive acesso a cuidados de saúde gratuitos. Pude, sempre, escolher o que fazer da minha vida sem deixar ninguém interferir com ela e sem ser banida da sociedade por isso.

A minha avó, por exemplo, não pode aprender a ler. Em criança, já trabalhava para ajudar a sustentar a família. A minha avó teve apenas um filho, apesar de ter muito amor para dar, porque não tinha a certeza de poder sustentar dois. O meu pai não pôde estudar, apesar de ter gosto e capacidade. No tempo da minha avó, uma mulher, mesmo que sofresse violência doméstica, nunca se poderia divorciar sem muito prejuízo moral, físico e social.

No tempo da minha avó, baixava-se os olhos quando passavam as pessoas importantes. Existia o "nós" e o "eles". A minha avó sempre me recomendou que não pintasse as unhas e que não tentasse ser aquilo que não era. Que fosse humilde e trabalhadora e não me misturasse muito. Na altura, pequenina, aquelas recomendações não me faziam sentido nenhum. Sempre acreditei firmemente em dois valores fundamentais: igualdade e liberdade.

Homens e mulheres muito corajosos e altruístas lutaram para que estes valores fizessem parte da nossa realidade. Para que, mesmo não totalmente, possamos emitir algumas das nossas opiniões. Não todas. Não sempre. Mas vamos caminhando devagar. Para que possamos, cada vez mais, ter igualdade. Igualdade de oportunidades. Igualdade de acesso à educação, à saúde, ao trabalho. Igualdade nos benefícios pelo mérito e não pelo estatuto social.

Não é perfeito ainda. Não é bom para todos. Ainda. Mas é, com certeza, o melhor que alguma vez foi.

 

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