Memórias de infância: A minha ama
Quando era pequena, antes de entrar para a escola primária, tinha uma “ama”, que era, na verdade, uma vizinha que não trabalhava e tomava conta da sua neta, que tinha a mesma idade que eu. Quando me lembrava dela, costumava pensar que não era muito simpática, porque ajudava a neta a ganhar-me em jogos de cartas e, em conversa com outras vizinhas, comentava — mesmo à minha frente — que eu era uma “Maria Rapaz”: muito irrequieta e sempre toda suja de andar a trepar árvores e brincar com terra.
Em contraste, a sua neta (minha grande amiga e uma menina muito querida, de quem gostava muito) era, nas palavras daquelas adultas, “uma mulherzinha muito atinada e sempre impecável”. Recordo que tínhamos 5 anos.
Hoje, por algum motivo, lembrei-me dessa senhora que tomava conta de mim e consigo recordar claramente a sua voz. Curiosamente, lembro-me com carinho dos momentos que passei na sua casa. Apesar de nunca ter sido muito carinhosa comigo, não me lembro de alguma vez me ter batido ou gritado. Ensinou-me a fazer renda, deixava-me fazer pequenas bolinhas de pão caseiro com a sua neta sempre que cozia pão e, quando eu já tinha 10 anos e ela tinha um segundo neto bebé, deixava-me andar com ele ao colo para todo o lado, contar-lhe histórias e brincar com ele a toda a hora. Isso despertou em mim, pela primeira vez, uma amostra do que seria o amor maternal.
Afinal, foi ótimo ter tido aquela ama, e sinto-me verdadeiramente feliz, hoje, por me lembrar da sua voz e dos momentos felizes que passei na sua casa, apesar dos menos bons. E, embora este sentimento tenha surgido espontaneamente, creio que tentar resgatar na memória o bem que alguém nos fez pode ser um exercício muito valioso quando as desilusões e os conflitos começam a afastar-nos das pessoas.