Já parava de dar barraca em público!
Dizem que as mulheres ficam mais sensíveis durante a gravidez. Não dei por nada. Andava, isso sim, mais irritada. Se isso é consequência de um certo tipo de sensibilidade, então se calhar andava um pouco sensível.
Comecei a notar isso quando coisas que quase me passavam ao lado, me começaram a tocar especialmente, principalmente quando dizem respeito a crianças. O meu problema é que este "género de sensibilidade" já me está a atrapalhar um pouco a vida, no sentido em que me faz passar inexplicáveis vexames em público.
Estava na Gran Canaria, muito satisfeita na zona de espetáculos do hotel.Logo depois do jantar, os animadores organizavam uma mini-disco, onde passavam músicas infantis e as crianças eram convidadas a ir para o palco, para dançarem junto dos animadores.
Na mesa ao nosso lado, já tinha reparado numa mulher jovem que estava embrenhadíssima na leitura de um livro. Estava basicamente com a cara enfiada no livro, como se aquilo fosse a novela mais interessante que alguma vez leu, daquelas que não nos permitem largar o livro por nada.
Estávamos nisto quando, a dada altura do evento (entre duas músicas), a animadora começa a segredar com as crianças. Um minuto depois elas vão buscar a mãe ou o pai para virem para o palco com elas dançar uma das músicas.A mulher que estava a ler na mesa ao lado, calhava ser uma das mães "puxadas" para o palco. A filha dela era uma menina de uns 7 ou 8 anos que, tal como as outras crianças, estava animadíssima com a mini disco.
Todos os pais foram para o palco dançar. Havia uma mãe gordinha, um pai descontraído , outra mãe e a mulher que estava a ler o livro. O pai, estava nas sete quintas, perfeitamente enquadrado com a situação ou não fossem os homens uma espécie de crianças grandes. As outras mães lá estavam, sorridentes, e a fazer a coreografia como podiam, umas mais à vontade que outras.
Durante a coreografia, ela bufava, fazia cara de enjoada e encostava-se à parede, enquanto a filha lhe pedia insistentemente que dançasse.
Claro que, estando na primeira fila de mesas e sendo o palco pequeno, era-me impossível não voltar a bater com os olhos no local onde elas estavam. Quando o fiz, a mulher já lá não estava. A filha estava a chorar imenso, completamente desconsolada, enquanto implorava à mãe que voltasse para o palco.
A mãe tinha voltado à posição inicial de cabeça enfiada no livro e adotava um ar indiferente, de quem está a ler.
O palco tornou-se um cenário dantesco para mim. As crianças continuavam a dançar com os seus pais, embora olhassem com um ar confuso para a rapariga que chorava e que, caricatamente, insistia em dançar e continuar a fazer, sozinha, a coreografia.
Eu comecei a esconder-me devagarinho atrás da Lara e a piscar os olhos repetidamente e com muita força.
Não conseguia tirar a imagem da rapariga da minha cabeça. Já não estava a olhar para ela, nem para lado nenhum, mas não conseguia deixar de pensar no que ela estaria a sentir. Na minha cabeça começou a desenhar-se o sentimento de rejeição que aquela menina devia estar a experienciar ao ver os outros meninos com os pais, que dançavam com eles, enquanto a sua mãe insistia em ficar incompreensivelmente agarrada a um livro e a fingir que não era nada com ela.
Sinceramente não sei o que é que me deu. Sei que não era caso para tanto, mas senti coisas mesmo estranhas. Lamentei tanto pela menina. Senti tanta pena dela. Detesto este sentimento inconsequente de pena. Acho que é das coisas mais inúteis que podemos sentir. Ou podemos fazer algo para ajudar e fazemos. Ou esquecemos.Mas não, fiquei ali, abaladíssima, a chorar como se não existisse amanhã.
Depois voltei para lá, onde ficámos mais um pouco.Foi uma grande barraca e tive dificuldades em explicar a situação ao Milton. Tenho dificuldades em percebe-la. Não sei de onde vem esta hipersensibilidade. Cheguei a temer pela minha sanidade mental.Agora tenho medo de ver um pai a falar mais alto com o filho na rua e desatar a chorar.