Diário de quarentena #6
Vamos falar de emoções?
Não costumo falar muito de emoções. Sou uma pessoa reservada em relação a sentimentos. Muito mesmo.
Se puder, tento ser uma pessoa parca em relação a sentir muitas coisas.
Quando sinto, sinto muito, mas diria que os meus sentimentos são mais intensos do que frequentes.
Em relação à situação que vivemos tenho andado muito calma.
Às vezes acho que devia chorar. Acho que devia olhar para nós, todos de máscara, escondidos em casa de algo que não conseguimos ver, tensos em relação ao toque, ao toque nos outros, ao toque nas maçanetas, ao toque nos produtos que vamos comer... Mas não aconteceu.
Às vezes surto. Aconteceu uma ou duas vezes e acho que sempre no TPM por isso não sei se conta.
O primeiro mês passou-se bem mas agora ando numa bipolaridade de ânimo: ora a achar que estamos muito bem e grata por estar em casa, segura, ora a ficar cheia de comichão com a incerteza destes tempos. Mas acabo sempre por me recordar de que os meus problemas são ridículos, nulos mesmo, quando comparados com os problemas, bem sérios, que muitas pessoas estão a viver nestes dias.
Passo o dia inteiro com três crianças pequenas, cheias de vontade própria e com a mania estúpida (herdada da mãe) de defender a sua liberdade de ação e pensamento de uma forma especialmente assertiva. Passo o dia a cozinhar, a arrumar a casa, a limpar rabos, a tentar ensinar a Maria a fazer números, a ensinar a Lara a ler com relativa facilidade, e ensinar às duas a arte da calma e da gentileza num tom demasiado irritado e assertivo para convencer alguém que domino essas artes.
Tenho perfeita consciência de que sou uma privilegiada. Perfeita. Penso nas guerras que existem no mundo, nos sítios todos onde poderia viver e sinto-me verdadeiramente grata por a vida me ter encaminhado para os Açores.
Sempre que me lembro da primeira semana que passei sozinha nos Açores, vinda de Lisboa, em que chorava sempre que via vacas, campos verdes ou o céu nublado, dá-me vontade de me esbofetear. A sorte que tenho em viver aqui!
De forma muito resumida posso dizer que, em termos de emoções, reclamo muito por aqui, mas reclamo feliz, porque tenho perfeita consciência de que não tenho absolutamente nada do que me queixar.
Algumas das minhas liberdades podem estar condicionadas mas vivo com as minhas escolhas e num dos melhores sítios do mundo.