Desafio dos Pássaros 3.0
Foi o que puvi
Foto daqui.
Ela não me disse isso claramente. Não o afirmou, mas é como se o tivesse feito. Plantou a semente da incerteza, da dúvida e do mal-estar. Não era um mal-estar derivado das suas palavras, era algo anterior a isso e anterior à chegada dela.
Eu não confiava nela. Desde a sua chegada que tentava minar a minha relação com as outras raparigas que ali trabalhavam. Falava mal delas constantemente e tenho a certeza de que também lhes falava mal de mim.
Mas eu queria agarrar naquilo. Estupida e cobardemente, eu queria agarrar naquilo. Queria fazer crescer em mim aquela semente de incerteza, agarrar-me a uma pontinha de verdade, acreditar verdadeiramente que as minhas colegas de vários anos gostariam de ver a recém-chegada a substituir-me.
Trabalhava ali há quatro anos.
Tinha passado horas inteiras naquele corredor cheio de lojas de roupa para crianças, numa loja que vendia roupas cheias de folhos, laços e sapatinhos de veludo. Não gostava.
Tinha lido livros inteiros atrás daquele balcão, colocava música eletrónica depois das 23 horas e desenvolvi conversas e relacionamentos que haviam de mudar completamente a minha vida.
Estava farta. Estava amenamente farta. Estava com uma inquietude passiva, sem avançar nem recuar… Então, dava-me mesmo muito jeito acreditar no que a rapariga nova estava a insinuar. As minhas colegas e amigas gostariam de me ver pelas costas, apercebera-se ela.
Não acreditei. Mas resolvi ganhar um pouco de maturidade e fazer alguma coisa.
Comecei a procurar outro emprego.
Fui a muitas entrevistas, nem me lembro já para que cargos e para que empresas. Estava quase sempre nervosa, insegura.
Um dia, deixei de querer saber. Deixei de me preocupar. Continuei a ir a entrevistas, desta vez sem qualquer nervo, nem grosso, nem miúdo.
Fui entrevistada por um senhor de barba, um psicólogo, dono da empresa. Era uma empresa de testes psicotécnicos.
Durante a entrevista percebemos que tínhamos algo em comum: o gosto por cinema. Tivemos uma conversa agradável. Conversei com o dono da empresa como se conversa com um tio de quem gostamos muito. O tema era bom.
Apertou-me a mão e disse: “Está contratada.”.
No dia seguinte, disse às outras raparigas: “Vou-me embora em 3 dias.”
Continuámos amigas.
Elas foram visitar-me ao novo emprego assim como, mais tarde, me foram visitar até ao outro lado do Atlântico, quando mudei de emprego e de vida, novamente.
Nunca mais ouvi falar na outra rapariga.