Crescer sem Internet: uma infância rica em tédio e imaginação
Quando eu tinha 13 ou 14 anos, ainda não era verdadeiramente uma adolescente. Cresci mais tarde — talvez só a partir dos 15.
Durante toda a minha infância, até essa idade, tive poucos estímulos exteriores. Tínhamos apenas dois canais de televisão, com uma programação limitada e pouco variada. Não havia internet, nem redes sociais, nem dispositivos móveis. Não frequentava qualquer atividade extracurricular — tirando uma breve passagem pelas danças de salão, aos 13 — e quase não tinha com quem brincar. Era filha única, sem irmãos e sem vizinhos da minha idade, apenas uma ou outra criança que aparecia esporadicamente em casa da avó vizinha.
Nos anos 80, os pais não costumavam brincar com os filhos — e muitos nem sequer conversavam muito com eles. Por isso, a minha infância foi, acima de tudo, solitária. Mas, curiosamente, isso deu espaço a algo poderoso: a minha imaginação.
Passei anos a inventar coisas, a desenhar, a escrever, a criar histórias em banda desenhada, roupas para as bonecas e até casas feitas de esferovite. As bonecas tornavam-se figurantes das novelas e dramas que criava na minha cabeça. Lembro-me de brincar aos advogados, construindo argumentos a favor e contra uma mesma ideia, em longos diálogos interiores. O tédio era tanto que, por vezes, subia ao sótão para olhar, da janela mais alta da casa, o eucaliptal que se estendia para lá dos quintais. E escrevia poemas inspirada por aquela paisagem. Acho que naquela altura tinha mais sensibilidade do que agora.
Observava as plantas da minha avó com atenção. Fascinava-me o modo como algumas flores se abriam com o sol e se fechavam ao anoitecer. Dava nomes às galinhas e aos coelhos que ela criava — lembro-me até de um grupo de coelhos a quem chamei pelo nome das Tartarugas Ninja.
O meu mundo social era feito de pequenas interações com as vizinhas do lado, senhoras mais velhas que me pediam ajuda para ler cartas, porque não sabiam ler. Recordo também o gesto de cortar as unhas a uma tia idosa que não se conseguia dobrar para o fazer. Nessas alturas, aproveitava para conversar e perguntar como era a infância delas. Adorava aquelas histórias, sem imaginar que um dia a minha própria infância pareceria tão distante da dos meus filhos.
Sem distrações tecnológicas, lia tudo o que encontrava — livros, enciclopédias, rótulos, revistas — e isso acabou por me dar uma cultura geral que, confesso, me envergonha hoje em dia. Leio bem menos do que deveria.
Hoje, os miúdos têm acesso a mais informação do que nunca... e, paradoxalmente, parecem saber menos sobre o mundo à sua volta. Por isso, acredito que os pais precisam de ser curadores de conteúdo — é urgente filtrar, orientar e, sim, limitar o acesso à informação que chega até aos nossos filhos.
A Internet é uma ferramenta poderosa — e perigosamente sedutora para crianças e adolescentes. Na minha opinião, eles precisam de desporto, livros, música, natureza… e sobretudo, de brincar verdadeiramente com outras crianças. Não precisam de ser entretidos a toda a hora.
Sim, é natural recorrer ao ecrã numa longa viagem de avião ou quando os pais não têm como dar atenção. Mas isso não pode ser o padrão — não pode ser a norma de todos os dias, de todos os minutos livres.
Tenho três filhos, todos a caminhar para a adolescência, e confesso: sinto que ainda não sei nada sobre educação. Vivo num constante equilíbrio entre tentativas e erros, leituras, conversas com outros pais e muita intuição. Mas uma coisa é certa: vejo na Internet, nas redes sociais e nos smartphones objetos que não são, de todo, brinquedos para crianças.
Como foi a vossa infância? Também sentem que o excesso de estímulos de hoje está a roubar espaço à criatividade das crianças?