Coisas que acontecem a pessoas tímidas, durante uma viagem de avião
Na minha mais recente viagem de avião, fiquei sentada num dos lugares do meio. Tinha um senhor do lado da janela e uma rapariga — acho que francesa, talvez — na coxia. Foi uma viagem de duas horas e pouco, e eu achei que talvez não precisasse de ir à casa de banho durante o voo. Bebi alguma água, nada de especial, e estava mais ou menos confortável… até cerca de meia hora antes do voo terminar.
O que é que se passa? Como eu não tinha muita vontade de ir à casa de banho antes, não fui. Não gosto de incomodar as pessoas, de pedir que saiam do lugar só para eu ir à casa de banho — a não ser que seja mesmo uma situação de alguma aflição. Mas quando chegou aquela meia hora final, comecei a sentir que talvez fosse melhor ir. E estava disposta a pedir à minha companheira de lugar que me deixasse passar.
O problema? A senhora estava a dormir. Estava mesmo a dormir. Não parecia estar só a descansar os olhos, estava profundamente adormecida. Com tampões nos ouvidos e tudo. E eu comecei a pensar: o que é que faço agora? Estava um pouco aflita, ainda faltava tempo para o voo acabar, e a minha única hipótese era tocar-lhe no braço para a acordar.
Mas eu simplesmente… não consegui. Não fui capaz. Não sei explicar bem — talvez timidez, talvez outra coisa — mas não consegui tocar-lhe no braço. E se desse um toque, que tipo de toque seria? Umas pancadinhas no ombro? Espetava-lhe um dedo no braço? Batia umas palmas em frente à cara dela? Fiquei ali a pensar em todas as possibilidades de acordar uma pessoa profundamente adormecida sem a assustar… e nenhuma me pareceu natural. Ou confortável. Ou sequer possível.
Cheguei a considerar outras hipóteses: ficar atenta, ver se alguém a passar no corredor a acordava e eu aproveitava; mexer-me de forma mais enérgica para ver se ela acordava sozinha; até chamar uma assistente de bordo para me ajudar. Mas isso parecia-me ainda mais ridículo — uma adulta a pedir ajuda para acordar uma senhora que está a dormir?
Resultado: aguentei. Aguentei os 30 minutos que faltavam. E pronto. Correu tudo bem, fui à casa de banho assim que saí do avião.
Mas fiquei a pensar: foi timidez? Ou outra coisa qualquer? E, de forma talvez um bocado egoísta e injusta, pensei: como é que a senhora foi dormir, sabendo que alguém poderia querer ir à casa de banho? Não era um voo propriamente muito curto. Podia acontecer que eu — ou até o senhor da janela — precisássemos de sair. Dormir assim, na coxia, é um ato de fé.
Ou talvez não. Talvez ela estivesse mesmo cansada. E talvez não se importasse de ser acordada, se fosse o caso. Se eu estivesse no lugar dela, conseguiria dormir descansada? Talvez. Se estivesse mesmo muito cansada, talvez dormisse. Não sei.
Claro que a senhora não tem culpa nenhuma. Fez muito bem em descansar e dormir. Eu é que talvez devesse ter ido à casa de banho mais cedo, mesmo sem muita vontade. Só por prevenção.
Não sei. Digam-me vocês: o que teriam feito? Teriam acordado a senhora? Teriam aguentado também? Teriam ido antes? Teriam evitado beber água de todo?
É a questão existêncial que vos deixo hoje.