As cores das minhas memórias
A minha mente está constantemente povoada por uma série de narrativas, mais ou menos com vida própria. Às vezes, paro um pouco para as analisar e refletir sobre as memórias mais vívidas que tenho. Sabem, aquelas que nos permitem sentir o perfume dos sítios, a textura dos tecidos e até o calor de um dia de sol. Sinto que não tenho escolha quanto a estes pensamentos, mas a verdade é que — tenha ou não escolha — gosto deles. Habituei-me a eles e, se não os posso evitar, aprendi a apreciá-los.
Hoje, ao explorar as minhas memórias mais marcantes, percebi que têm cor. Muitas delas — quase todas, na verdade — estão ligadas a zonas de desconforto, a situações novas e emocionantes, sejam essas emoções boas ou más.
Lembro-me de uma situação de grande fragilidade para a minha autoestima, um momento de insegurança emocional, no início de um namoro complicado. Lembro-me perfeitamente do que senti: da angústia, do medo de não ser aceite. Essa memória tem a cor branca e a textura de um algodão suave. Não parece muito má, pois não? Mas, não sendo terrível, foi um momento tenso e até um pouco triste.
Lembro-me também de um dos melhores momentos da minha vida: durante um concerto da minha banda preferida, na primeira fila. Tinha 19 anos e ainda não tinha vivido muito, por isso aquele momento foi apenas o segundo em que senti, com clareza, que estar viva e ser humana valia mesmo a pena. Desde então, acumulei muitos mais momentos assim. Foi tão emocionante que, depois, senti-me angustiada, a achar que nunca mais experimentaria uma felicidade tão plena. Estava enganada, felizmente.
A cor dessa memória é um azul escuro, quase preto. É a cor da meia-noite, de um céu polvilhado de estrelas pequeninas, amarelas e muito brilhantes. Penso nisso e sinto-me automaticamente feliz.
Tenho outra memória muito feliz, em que caminhava numa rua de Lisboa, a caminho do Lux. Não estava a acontecer nada de especial, mas sentia aquela leveza boa de estar num sítio seguro, tranquila, a caminho de uma experiência conhecida e que me fazia bem. A cor dessa memória é preta com brilhos prateados.
Lá está: as minhas memórias boas não são propriamente cor-de-rosa, mas são, de certa forma, brilhantes. Muito brilhantes. São como a beleza cintilante de pequenas luzes que se destacam num infinito escuro e misterioso.
Deve ser por isso que me visto de preto e gosto de uns apontamentos brilhantes. Nada me deixa mais confortável nem me dá mais a sensação de que está tudo certo.
E as vossas memórias? São de que cor?