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Vinil e Purpurina

Parafernálias sobre a minha vida e a minha mente.

Vinil e Purpurina

Parafernálias sobre a minha vida e a minha mente.

Sex | 31.07.15

Purity Ring

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Descobri uma banda nova. Daquelas de que gosto mesmo!Sabem quando ouvem uma música pela primeira vez e param tudo? Ficam ali a ouvir aquilo e a saborear cada segundo de som? Uma espécie de amor à primeira vista, versão música. Ou então um déjà-vu dos bons? Uma sensação de já ter estado ali, de conhecer a música de algum lugar e de ter gostado sempre dela, mesmo nunca a tendo ouvido antes.

 

A banda é Purity Ring e música é esta.

 

Claro que já fui ouvir mais coisas da banda e gostei muito. Diz-se sobre a música que fazem que é algo como: Synthpop, Future Pop ou Dream Pop.Gosto de Dream Pop. É o que encaixa mais com as sensações mentais que a música me provoca.É um projecto de Megan James e Corin Roddick, de Montreal.

 

Ultimamente tenho gostado muito de bandas do Canadá. Não só das músicas mas também dos vídeos das músicas. Parecem-me uma conjugação perfeita de intensidade e serenidade. É isso que sinto com as músicas como  as de Purity Ring, uma familiaridade que é, ao mesmo tempo, um desejo de estado mental permanente.

 

Se pudesse escolher uma banda sonora para o estado mental que almejo neste momento, seria em Dream Pop.

Qui | 30.07.15

O que fazer em São Miguel ao fim da tarde?

O clima em São Miguel é um pouco temperamental.

 

Aquilo que se diz sobre existirem 4 estações do ano num só dia é bem verdade por isso, sempre que chegam os dias de verão a sério, tentamos aproveitá-los ao máximo.

 

Um destes dias, fomos jantar ao "spot" para churrascos mais perto de casa, o "Miradouro de Água de Pau".

 

É um sítio novo que descobrimos por acaso.Tem várias mesas com bancos de madeira, churrascos e uma zona para lavar louça. Também tem casas de banho mas à hora que fomos (pelas 19h00) estavam fechadas.

 

Armados de sardinhas, salsichas, febras, batatas fritas, meloas e umas cervejas, ficámos a apreciar a vista e o sítio até às 21h00.Como era uma quinta-feira, não havia lá mais ninguém e ficámos com o espaço só para nós.

 

Numa próxima vez vamos optar por fazer apenas um piquenique. Um churrasco dá demasiado trabalho.

 

O que pretendemos mesmo é estar num sítio espaçoso e bonito, a conviver e a comer. Uns salgadinhos, uns quiches, uma salada, umas sandes, uns bolinhos e uma fruta serão uma hipótese tão boa ou melhor que carne e peixe assado.

 

Creio que vamos repetir, em breve, e muitas vezes, esta atividade gastronómica.

 

Talvez façamos um "tour" dos miradouros da ilha toda.

 

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Vista fantástica do pôr do sol. (foto de Bruno Moura)

 

 

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Esta foi a parte que podia ter corrido melhor. A culpa é do carvão (cof cof).

 

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As bolinhas de sabão são sempre um sucesso garantido. (foto de Bruno Moura)

 

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Levámos uma pistola de bolhas de sabão que tem uma ventoinha integrada e uma estrutura que cria bolas de sabão grandes com várias pequenas dentro. É bonito de se ver. (foto de Bruno Moura)

 

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Louça de plástico do Ikea.

Qua | 29.07.15

Espécie de ensaio sobre o tempo

Não compreendo as pessoas que se sentem aborrecidas por não terem nada que fazer. Por terem tempo a mais... Quase podia jurar que "tempo a mais" é algo que não existe.

 

Uma das melhores coisas de existir é a quantidade de possibilidades que temos à disposição quando dispomos de tempo e liberdade.

 

Existem tantos filmes bons para ver, músicas para ouvir, livros para ler, pensamentos para ter, coisas para inventar, reinventar ou interpretar... Tantas conversas para conversar, viagens para fazer, recantos para explorar.

 

Quando era muito nova e vivia numa pequena vila ribatejana, Alpiarça, parecia que nunca tinha nada que fazer. Não tinha irmãos, primos ou amigos com quem passar o tempo. Então, passava muito tempo sozinha a pensar no que poderia fazer. Às vezes ia até ao sótão da casa ao qual se acedia por uma escada de metal que havia numa pequena despensa.

 

O sótão era um sitio escuro e assustador, cheio de cangalhada, ao qual não creio que conseguisse ir muitas vezes hoje.

 

Mas, na altura, tinha uns 10 ou 12 anos, era um mundo de possibilidades misteriosas.  Pegava na mira da pressão de ar do meu pai, e usava-a para observar a casa que ficava no cimo de um "cabeço" a cerca de 700 metros da minha casa. A janela do sótão era, naturalmente, a mais alta da casa e, sendo o sitio tão pouco frequentado, encontrava ali todo o sossego e a inspiração necessários para colocar a imaginação a trabalhar.

 

Passava horas a observar a casa dos vizinhos sem que nada, efetivamente, se passasse. Mas eu ficava ali, a aguardar, a esperar com a paciência que nunca mais tive, que aparecesse o pastor alemão que ouvia sempre a ladrar, talvez um fumo saísse pela chaminé ou, com muita sorte, alguém aparecesse no quintal e tivesse uma atitude qualquer como estender uma peça de roupa no arame, ou carregar um balde de um lado para o outro, ou quem sabe algo realmente inesperado e original.

 

Acho que nunca aconteceu nada de especial, ou pelo menos que merecesse ficar na minha memória.

 

Outras vezes ficava só a observar o eucaliptal (que, infelizmente já não existe), as grandes vinhas que se estendiam atrás do meu quintal, por centenas de metros, e os quintais vizinhos, enormes e repletos de árvores de fruto e canteiros muito arranjados de tomates, feijão, nabos, alfaces, morangos se era tempo deles, muitas favas e couves, aqui e ali espinafres, sempre generosas quantidades de hortelã, salsa e alecrim.

 

Uma vez escrevi um poema sobre a flora que via da janela do sótão. Era um poema muito cuidado na forma e muito cuidado no conteúdo, muito sentido. Creio que era um soneto, direitinho, com duas quadras e dois tercetos. Abdicava de um dinheirinho para ter esse poema comigo. Tempo não dava, mas dinheiro dava. Sei que falava sobre árvores e plantas e do que eu sentia ao olhar pela janela do sótão, naquele momento específico, e como aquela paisagem me transmitia uma sensação de paz e de serenidade. Coloquei-o num envelope fechado e decidi que só o haveria de abrir algum tempo depois.

 

Tenho essa mania peculiar de guardar coisas para ler ou observar muito tempo depois de terem sido criadas. Acho que gosto do efeito que o tempo faz na nossa percepção e aceitação da realidade, e de como molda a nossa interpretação das coisas.

 

Na passagem de ano para 2000, eu e uns amigos colocámos uns objetos numa cápsula do tempo para abrir 20 anos depois.

 

Lembro-me que, em Alpiarça, desenhava muito, escrevia num diário, e inventava montes de brincadeiras que podia fazer sozinha: inventava discussões polémicas com um interlocutor imaginário onde eu argumentava tão fortemente em relação aquilo que defendia como em relação àquilo que era oposto às minhas convicções.

 

E assim passava o tempo... e passava-o bem. Lia mesmo muito. Lia estantes inteiras da biblioteca e cada livro era tão entusiasmante que nunca parava de ler, nem durante as refeições. O meu pai estava sempre a repreender-me e dizia que ler tanto devia "fazer mal à cabeça". Do seu ponto de vista, creio que tinha alguma razão.

 

Mais tarde, continuei a ter sempre com o que ocupar o tempo. Mas o tempo começou a faltar-me mais. De qualquer forma, sempre tive a liberdade de escolher o que fazer com ele. Sempre fui eu a decidir como passá-lo e, a aproveitar o que tinha da forma que achei melhor.

 

Hoje, acho que tenho muito tempo de qualidade. Tenho tempo de qualidade em quase todas as horas do dia, mesmo numa fila de espera nas finanças ou na segurança social. Desde que tenha uma esferográfica e um bloco de papel comigo tenho sempre tempo de qualidade. Se não tiver o papel e a caneta, uso a mente para imaginar pequenos filmes ou video clipes.

 

No fim de semana passado usei o meu tempo para estar com a família e amigos e conhecer um sitio novo: Santa Maria, a ilha vizinha daquela onde vivo.

 

Usei o tempo para algumas das melhores coisas que existem entre uma das minhas especialidades: "exercitar o lazer" com pessoas que considero verdadeiramente interessantes.

 

Ainda tivémos o bónus de privar com desconhecidos caricatos: um casal de jovens Austríacos (muito bem parecidos por acaso) que corriam o mundo de mochila às costas, e um presumível louco que passava o dia inteiro a beber cerveja e a cantar altíssimo.

 

Embora nesta foto não se note, encontrei nesta ilha, a água mais cristalina que já vi.Sou capaz de aprender a nadar só para estabelecer uma relação mais intima com o mar de Santa Maria.

 

 

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Piscinas naturais da Maia, na ilha de Santa Maria onde passámos tempo de muita qualidade, a usufruir de um paraíso quase deserto

Sab | 25.07.15

Contos #3 A Palavra

Tenho a certeza que a nossa relação foi definida por aquelas palavras. Mais do que tê-la retirado de um cenário de violência, recolhê-la no colo e afastá-la daquela amálgama de gritos, foi o facto de a ter olhado nos olhos e dito a verdade que criou um elo inquebrável entre nós.

 

Já não me lembro como fui parar àquele cenário. Um piso de terra batida, salpicado aqui e ali e de erva miúda, um espaço entre duas casas e um conjunto de pessoas barulhentas nesse espaço. Todos meus familiares: meus tios, meus primos, meus pais.

 

Os meus pais faziam parte dos assistentes.

 

Alívio.

 

É o meu tio mais novo e o pai dela.

 

O pai dela com as mãos no pescoço do meu tio mais novo. As mulheres, pálidas. Soltam-se impropérios e palavras que tentam forçar a separação dos corpos. Não vi gestos que os tentassem apartar. Só palavras.

 

Depois vi-a a ela.

 

Escassos metros afastavam-na das outras pessoas. Os olhos, de onde rolavam lágrimas grossas, fixos no pai. Tinha uns três anos que, naquele momento, faziam maior a sua angústia, mais desesperante o seu abandono, mais violenta a sua inocência.

 

E ninguém a vê-la. Ninguém a colocar no seu saco de prioridades o sofrimento dela. Todas as atenções centradas nos dois homens, adultos, e na sua discórdia levada a níveis mais carnais.

 

Eu a correr para ela. A pegá-la ao colo. A aconchega-la contra mim com uma ternura que me era desconhecida. Eu a levá-la para longe dali. Na minha mente, nem um milésimo de atenção dedicada aos homens, adultos, grandes, crescidos.

 

Eu não era crescida.

 

Era uma adolescente com pouca paciência para crianças.

 

Ela perguntou-me na sua voz de bebé: Porque é que o meu pai é tão mau?

 

E eu respondi-lhe com a verdade que conhecia, com as palavras com que falaria com um adulto: O teu pai não é mau. O teu pai é uma pessoa. E as pessoas são assim. Ela parou de chorar.

Sex | 24.07.15

O que comprar e não comprar para crianças na loja do chinês

Ora bem, vamos lá admitir que somos todos frequentadores assíduos da loja do chinês. É barato, tem tudo o que se possa imaginar e há sempre uma ao virar cada esquina.

 

Sabemos que são os reis dos produtos descartáveis e convenhamos que, para crianças, quase tudo é descartável. Estou a falar de pequenos brinquedos, aqueles que eles usam, experimentam e partem em 3 tempos. A noção de que as crianças não podem partir nada e que os brinquedos servem para enfeitar as estantes do quarto, ficaram perdidas nos anos 80.

 

De modo que gosto muito de ir ao chinês comprar aquelas coisinhas que a Lara esfrangalha num instante mas que a deixam entretida durante umas boas horas.

 

Confesso que só depois de fazer um ano, comecei a comprar-lhe brinquedos lá. Roupa e coisinhas de por na boca, preferi sempre comprar de boa qualidade, mesmo que fosse para partir tudo.

 

Mas, agora, passo por lá regularmente à procura de coisas que possam ser usadas em brincadeiras didáticas ou criativas.

 

Da minha experiência deixo-vos dicas do que vale a pena e do que não vale a pena comprar na loja do chinês.

 

Comprar:

Cartas com animais

 

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Estas cartas são muito giras e ela diverte-se imenso a observar os animais enquanto eu lhe vou dizendo os nomes deles e imito os sons que eles fazem.

 

Atrás, as cartas têm o nome em inglês, em algumas o nome está errado. Por exemplo, nestas cartas burro é "dunkey" em vez de "donkey".

 

Portanto, as cartas não servem para ensinar inglês mas são ótimas para ensinar os nomes dos animais em português. Custam 1 euro. 

 

Cartas com fruta e legumes

 

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Estas cartas são semelhantes às dos animais com a diferença de terem imagens reais em vez de desenhos.

 

Mesmo em relação a livros de imagens, gosto mais quando têm imagens reais.

 

Custam 1 euro.

 

 

Não comprar:

 

Canetas de feltro (e outras)

 

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Não comprar de todo. Deixam de escrever em menos de nada. Nem descartáveis chegam a ser porque não dão para completar um desenho. Pelo menos é esta a experiência que tenho tido.

 

Já comprei várias canetas diferentes (sim, não aprendi logo à primeira) e todas se revelaram de má qualidade.

 

Plasticina

 

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Comprei uma plasticina, que  (supostamente) era não tóxica, para experimentar.

 

Aquilo tinha uma consistência de pastilha elástica exposta 3 horas ao sol escaldante: mole, gosmenta e nada moldável.

 

Muito mau. Vale a pena apostar numa plasticina mais cara.

 

Qui | 23.07.15

A minha filha é uma leitora voraz

livros secretária

 

Pois, ela só tem 16 meses mas adora livros.Vá, ela não lê, mas observa muito os livros, passa as páginas, aponta e "fala" sobre o que vê.

 

Chega a passar 30 minutos a explorar os livros.

 

Desde os 6 meses da Lara que vou todas as semanas à biblioteca buscar meia dúzia de livros para ela. Julgo que já trouxe todos os livros "interessantes" para casa. Já estou na fase de repetir.

 

Começámos com os livros com animais fofinhos e texturas diferentes para tocar, os livros com sons e com imagens simples e coloridas.

 

Depois, comecei a trazer livros com histórias simples e janelinhas, para lhe despertar a curiosidade e para ela se entreter sozinha a descobri-los.

 

Com perto de 12 meses comecei a trazer livros com imagens reais de objetos para que ela começasse a associais os nomes das coisas às coisas reais.

 

Agora já trago livros com histórias mais compridas, com peças destacáveis, mais interativos, e com pequenos jogos que posso fazer com ela, como jogos de cores em que lhe mostro imagens de uma determinada cor e lhe peço que me traga um objeto dessa cor.

 

Posso dizer que, a par dos animais de borracha, são os brinquedos preferidos dela.

 

 

estante

A mini estante da Lara

 

biblioteca

Primeiras vezes na biblioteca, com menos de um ano

 

ler na casa de banho

Ler na "Casa de Banho"

 

refeição

A comer, com o livro à frente.

Ter | 21.07.15

Contos #2 - Dor e Escuridão

Escolho a indumentária: uma saia de veludo preto, um pouco abaixo dojoelho e propositadamente fora de moda; meias de rede da mesma cor, umtop de manga curta rendado e "um pouco quase nada" transparente e, nospés, umas sabrinas prateadas muito brilhantes.Apetrechada de confiança, induzida em pequenas doses no parque deestacionamento, passo através do túnel de néon azul para o localperfeito.

 

As paredes vibram com o som grave da música que se misturacom a minha pulsação, cada vez mais forte e ritmada. Cada gesto assumeo simbolismo etéreo de um ritual misterioso, até o simples movimentobrilhante das sabrinas, uma a seguir à outra, no caminho para a casade banho, onde um espelho enorme se transforma num vertical lago deprata, que me devolve a imagem de uma loucura bela e serena.Na maior parte do tempo, fundo-me com a música enquanto todos os meusneurónios executam uma coreografia sublime com o ambiente envolvente.

 

Passaram horas, dias ou uma eternidade?

 

A clareza mental que existia transformou-se num vazio avassalador. A escuridão tornou-se uma necessidade de sobrevivência acompanhada poruma dor profunda.

 

Sinto uma angústia oca preenchida por uma sensação que ensaia umadança mórbida entre o estômago e a cabeça. As minhas batidas cardíacas deixam de ter um ritmo agradável e equilibrado para assumirem umadesordem abrasiva, pesada e embrutecedora. A realidade é insuportávele apresenta-se em detritos escuros e pesados que se colam a todas asminhas células.

 

Apetece-me violentamente não existir, não ser e nãoestar em lado nenhum. Apetece-me vomitar toda a minha consciência numburaco sem fundo...

 

E, mesmo assim, considero cada segundo de dor e escuridão um preçomuito justo que voltarei a pagar dezenas de vezes, durante um tempoinventado por artistas loucos.

 
Seg | 20.07.15

Mr. Robot

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E quando pensava que ia ficar órfã de séries outra vez, o homem da casa surge com Mr. Robot.

 

É a série mais realista e atual que já vi.Parte da história de Elliot, um jovem programador que trabalha numa empresa de segurança virtual de dia e, de noite, é um hacker que descortina a vida de conhecidos e desconhecidos.

 

Se, no inicio ele se limita a observar as pessoas e as suas vidas, depois de alguns acontecimentos que abalam a sua existência solitária e melancólica, ele começa a atuar e a mexer com a vida delas. Ao mesmo tempo, ele é convidado para fazer parte de um grupo de hackers anarquista que pretende destruir o capitalismo.

 

A série está repleta de personagens caricatura, que deambulam de uma forma muito extrema pela realidade, que acredito ser a que existe nos dias que correm. O protagonista, por exemplo, é muito bom rapaz embora seja anti-social, é hipersensível, melancólico e muito inteligente. É como se visse o mundo tal como é e tivesse todo o poder para o mudar, mas não a força necessária.

 

Observar a realidade pelos olhos de Elliot é uma experiência muito estranha. É como se todo ele fosse construído de uma matéria que existe em todos nós, que foi sendo recambiada para uma parte muito recôndita e silenciosa do nosso cérebro. Fico a imaginar que ele é ingénuo quando, se calhar, todos os outros é que são cínicos. Ficamos sem saber que lugar é verdadeiramente o nosso no teatro gigante que é existir no nosso tempo.

 

Sublinho a excelente caracterização de Elliot: a roupa, a forma de estar, de falar, de pensar, de se mover, e até de ser dependente de morfina, está brilhante. Diria que esta personagem está a rivalizar fortemente com o meu adorado Mr. White da série Breaking Bad.Mr. Robot é um desafio reflexivo extremamente interessante.

 

Recomendo a todos, embora os nerds (por razões óbvias) possam apreciar mais.

Sab | 18.07.15

Contos #5 - O Bufarinheiro

A vida dele era morna e doce como uma eterna tarde de outono.

 

Com 32 anos, o cabelo comprido desalinhado e um peculiar estilo grunge de desleixo cuidado, era muito atraente.

 

Tinha uma casa confortável, uma horta onde cultivava quase tudo o que comia, e as poupanças resultantes do seguro de vida dos pais.

 

Os pais, enquanto viveram, nunca o obrigaram a trabalhar.

 

Eram pessoas simples e empáticas, e entenderam que a normalidade do mundo era um conceito estranho e totalmente evitável.

 

Depois de acabar o liceu, arranjou um trabalho, mas a sua personalidade sensível não suportou mais de seis meses a natureza mesquinha do ser humano regular. De modo que não voltou a trabalhar.

 

Todavia não era ocioso. Levantava-se cedo para tratar da horta e fazer exercício físico.

 

A tarde era passada nos jardins da biblioteca, a devorar livros de filosofia, psicologia e história.

 

Para casa levava romances e ensaios. Por gosto, mantinha como hobby a profissão dos pais, que recolhiam objetos na lixeira para vender numa feira. Ele limpava-os e vendia-os na internet.

 

Ganhava um valor regular por mês e, por vezes, vendia os mais bizarros, em leilões online, por valores consideráveis.

 

Quando fazia, todos os dias, o mesmo caminho com a sua caquética mota, puxando um atrelado repleto de malcheirosos tesouros, as pessoas olhavam-no quase em choque.

 

Nunca o incomodou o olhar dos outros. Nunca se sentiu mal com as suas escolhas.

 

Tinha sido feliz até conhecer a Helena na biblioteca.

 

Tinham tudo em comum. Conversavam durante horas sobre todos os temas de que se lembravam, com especial incidência nas questões filosóficas e existenciais como convém ao início de qualquer romance.

 

Um dia ela perguntou-lhe qual era a sua ocupação.

 

Com o sorriso caloroso que o caracterizava respondeu que era bufarinheiro.

 

Nunca mais a viu.

Sex | 17.07.15

Já parava de dar barraca em público!

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Dizem que as mulheres ficam mais sensíveis durante a gravidez. Não dei por nada. Andava, isso sim, mais irritada. Se isso é consequência de um certo tipo de sensibilidade, então se calhar andava um pouco sensível.

 

O que me aconteceu foi ganhar uma sensibilidade crescente, logo depois do nascimento da Lara.

Comecei a notar isso quando coisas que quase me passavam ao lado, me  começaram a tocar especialmente, principalmente quando dizem respeito a crianças.  O meu problema é que este "género de sensibilidade" já me está a atrapalhar um pouco a vida, no sentido em que me faz passar inexplicáveis vexames em público.

 

O que se passou foi o seguinte:
 

Estava na Gran Canaria, muito satisfeita na zona de espetáculos do hotel.Logo depois do jantar, os animadores organizavam uma mini-disco, onde passavam músicas infantis e as crianças eram convidadas a ir para o palco, para dançarem junto dos animadores.

 

 Sempre que possível, nós iamos assistir com a Lara. Ela não participava, porque ainda era muito pequenina para estar no palco sozinha, mas achava graça a ver os outros meninos a dançar.
 
 

Na mesa ao nosso lado, já tinha reparado numa mulher jovem que estava embrenhadíssima na leitura de um livro. Estava basicamente com a cara enfiada no livro, como se aquilo fosse a novela mais interessante que alguma vez leu, daquelas que não nos permitem largar o livro por nada.

 

Estávamos nisto quando, a dada altura do evento (entre duas músicas), a animadora começa a segredar com as crianças. Um minuto depois elas vão buscar a mãe ou o pai para virem para o palco com elas dançar uma das músicas.A mulher que estava a ler na mesa ao lado, calhava ser uma das mães "puxadas" para o palco. A filha dela era uma menina de uns 7 ou 8 anos que, tal como as outras crianças, estava animadíssima com a mini disco.

 

Todos os pais foram para o palco dançar. Havia uma mãe gordinha, um pai descontraído , outra mãe e a mulher que estava a ler o livro. O pai, estava nas sete quintas, perfeitamente enquadrado com a situação ou não fossem os homens uma espécie de crianças grandes. As outras mães lá estavam, sorridentes, e a fazer a coreografia como podiam, umas mais à vontade que outras.

 

 

Reparei logo na mulher que tinha estado a ler. Ela estava com uma grande cara de frete, e via-se que estava mesmo muito contrariada com aquela situação toda.

Durante a coreografia, ela bufava, fazia cara de enjoada e encostava-se à parede, enquanto a filha lhe pedia insistentemente que dançasse.

 
 
Deixei de olhar para a mulher. Se ela não se estava a sentir à vontade, não iria contribuir para a sua indisposição, olhando para ela.
 
 

Claro que, estando na primeira fila de mesas e sendo o palco  pequeno, era-me impossível não voltar a bater com os olhos no local onde elas estavam. Quando o fiz, a mulher já lá não estava.  A filha estava a chorar imenso, completamente desconsolada, enquanto implorava à mãe que voltasse para o palco.

 

A mãe tinha voltado à posição inicial de cabeça enfiada no livro e adotava um ar indiferente, de quem está a ler.

 

O palco tornou-se um cenário dantesco para mim. As crianças continuavam a dançar com os seus pais, embora olhassem com um ar confuso para a rapariga que chorava e que, caricatamente, insistia em dançar e continuar a fazer, sozinha, a coreografia.

 

Eu comecei a esconder-me devagarinho atrás da Lara e a piscar os olhos repetidamente e com muita força.

 

Não conseguia tirar a imagem da rapariga da minha cabeça. Já não estava a olhar para ela, nem para lado nenhum, mas não conseguia deixar de pensar no que ela estaria a sentir. Na minha cabeça começou a desenhar-se o sentimento de rejeição que aquela menina devia estar a experienciar ao ver os outros meninos com os pais, que dançavam com eles, enquanto a sua mãe insistia em ficar incompreensivelmente agarrada a um livro e a fingir que não era nada com ela.

 
Passei a Lara para o colo do Milton e fui uns minutos para a casa de banho mais próxima chorar convulsivamente. Na verdade, já estava a chorar na primeira fila, de frente para o palco.
 
 

Sinceramente não sei o que é que me deu. Sei que não era caso para tanto, mas senti coisas mesmo estranhas. Lamentei tanto pela menina. Senti tanta pena dela. Detesto este sentimento inconsequente de pena. Acho que é das coisas mais inúteis que podemos sentir. Ou podemos fazer algo para ajudar e fazemos. Ou esquecemos.Mas não, fiquei ali, abaladíssima, a chorar como se não existisse amanhã.

 

Depois voltei para lá, onde ficámos mais um pouco.Foi uma grande barraca e tive dificuldades em explicar a situação ao Milton. Tenho dificuldades em percebe-la. Não sei de onde vem esta hipersensibilidade. Cheguei a temer pela minha sanidade mental.Agora tenho medo de ver um pai a falar mais alto com o filho na rua e desatar a chorar.

 

Será que vou ser uma mãe banana?

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