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Vinil e Purpurina

Parafernálias sobre a minha vida e a minha mente.

Vinil e Purpurina

Parafernálias sobre a minha vida e a minha mente.

Sex | 07.08.15

Contos #4 Purga

A meia dúzia de domingos de verão em que nos levantamos de madrugada e saímos de casa ainda de noite, para estar na Costa da Caparica às oito horas, são os dias mais felizes da minha infância. Hoje, a minha melhor amiga vai connosco. Estou tão feliz, aos treze anos, a correr atrás de memórias que nunca vão existir!

 

Enfio a minha euforia na mochila, materializada numa boia gigante em forma de tartaruga ninja. Vou galgar ondas em cima dela! Sentamo-nos no melhor metro quadrado de areia dourada e macia da praia e, com o espírito inchado de entusiasmo, sopramos à vez para dentro do gigante insuflável. Chegam cada vez mais pessoas.

 

À nossa frente, três jovens de dezoito anos, um casal e uma rapariga, tapam-me a vista e a leveza de alma. Em menos de três segundos, com sorrisos trocistas e expressões de gozo, colocam a nú a verdade da nossa condição. Adolescentes já com corpo de mulher a brincar como crianças com um brinquedo parvo de saloias, a soprar até à exaustão numa disformidade verde.

 

Doí-me na alma o reflexo que tenho de mim. A boia, inerte e triste, abandonada ao lado do saco das sandes, já não serve para nada. Eu e a Ana amuadas. Desejo com toda a força e humilhação da minha mente que eles implodam. Um alvoroço à distância espanta-me momentaneamente os desejos.

 

Um labrador excessivamente gordo corre pela praia cheia de gente. Em camara lenta… muito lenta… É assim que o vejo, com as patas enormes, a aterrar nas costas da rapariga que sorria da minha tartaruga ninja. Sem incomodar mais ninguém, segue o seu caminho. Ela geme. Ele sopra pateticamente para as costas dela. Arrumam apressadamente as coisas. Irão ao hospital.

 

Apoiada ao namorado, a coxear, ela lança-me um olhar dolorido. Desaparecem e, no lugar deles, deixam uma vista mais ampla para o mar.

 

Viro-me para a Ana: “Que limpeza!”