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Vinil e Purpurina

Parafernálias sobre a minha vida e a minha mente.

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Qui | 13.02.20

5 tipos de clientes peculiares que atendemos numa loja

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Trabalhei durante algum tempo numa loja de roupa de criança. Foi o tempo suficiente para lidar com centenas (ou talvez milhares) de pessoas diferentes e para perceber que lidar com pessoas é mais desafiante do que posso descrever num ou dois textos.

Deixo aqui uma singela amostra em forma de 5 pequenas histórias reais que aconteceram numa pequena loja de roupa beta para crianças.



O tarado

Entra na loja um rapaz alto, bem parecido e, aparentemente, normal.
Diz procurar um presente para uma sobrinha, de 3 anos, e pede ajuda. Atendo o rapaz simpática e solicitamente, mostrando-lhe algumas peças de roupa que podem servir bem o seu propósito.
A determinada altura ele percebe que tenho um piercing na língua e começa a falar sobre isso. Piercing para aqui e piercing para ali, se doeu fazer, como é a sensação. Que também gostava de fazer, que talvez gostasse que a namorada fizesse, etc. Falou um bocado dele, disse que estudava no técnico e mais qualquer coisa de que não me lembro e encetou ali uma tentativa de conversação mais pessoal.
O meu neurónio de alerta para malucos começou a tremelicar um pouco  e lá mantive uma cara de paisagem enquanto via se podia desviar a conversa para a tal prenda para a sobrinha.
Mas não. A conversa rapidamente se encaminhou para piercings em zonas mais inóspitas. O rapaz, com o ar mais normal do mundo, indicou que talvez quisesse oferecer à namorada um piercing em zonas mais "púbicas" e gostaria de saber algumas opiniões sobre isso.
Vendo a minha colega a entrar na loja, regressada da hora de almoço, indico-lhe que sobre isso não o poderei ajudar, até porque preciso de sair para uma tarefa urgente, mas a minha colega teria todo o gosto em continuar a ajudá-lo a procurar um presente para a sua sobrinha.
Disse isto com toda a calma e normalidade, enquanto pensava: "Que pena. O rapaz nem é feio de todo mas, ou não faz ideia nenhuma de como se conversa com uma rapariga, ou é completamente varrido."


A famosa poupada

A loja onde trabalhava tinha roupa muito "beta". Basicamente vendia roupa típica da família real espanhola: folhos e mais folhos para rapariga, e para rapaz também. Iam lá muitos betos, claro, e muitos famosos também.
Havia uma apresentadora de televisão que ia lá muitas vezes. Ela era super querida e simpática e não me importava nada que ela lá fosse, apesar da loja ficar com uma enchente de gente de cada vez que ela lá estava. Mas, umas semanas antes da época dos saldos, ela tinha a mania de passar lá, escolher umas 30 peças e pedir para guardar para os saldos. Enfim... nem sei o que lhe dizia mas achava isso de um despropósito gigante. Imaginem só as pessoas pedirem para guardar dezenas de roupas até aos saldos... Nunca percebi se se tentava aproveitar do facto de ser conhecida ou se tinha só falta de noção.


A relaxada

Vocês são daqueles clientes que andam a passear pelo Centro Comercial às 23h50 e entram pacatamente nas lojas, com real intenção de comprar alguma coisa, e nem vos passa pela cabeça que as pessoas que trabalham naquela loja têm um horário de saída que, em princípio, poderá ser às 00h00?
Eu já fui esse tipo de cliente. Até ter trabalhado numa loja. Nada como calçar os sapatos das pessoas para perceber a sua realidade.
Tinha uma cliente, que era até uma senhora muito simpática, que entrava sempre na loja às 23h45. Provavelmente chegava a essa hora porque a loja onde trabalhava era a última do corredor. A minha hora de saída era às 00h00. Nem falo do facto de não ganhar horas extra ou de estar cansada de estar ali em pé durante 8 horas. Mas eu tinha um autocarro para apanhar para Odivelas, às 00h10. Depois desse autocarro não tinha outro transporte a não ser o táxi. Se fosse de táxi gastava mais dinheiro no transporte para casa do que ganhava no dia de trabalho.
Nesta situação, e com a minha característica sagitariana da honestidade sempre muito ativa, perguntei à senhora se a podia ajudar a escolher aquilo de que necessitava porque tinha que fechar a loja às 00h00. Ora a senhora ficou um pouco importunada e indicou que, a partir do momento em que entrava na loja saía quando bem entendesse e eu tinha mais é que a atender convenientemente durante o tempo necessário.  Já começando a ver vermelho mas, ainda assim, a disfarçar como podia, engoli aquilo que queria dizer e fiz à senhora, em 5 minutos, um relato muito verdadeiro (mas com muito recurso ao estilo cinematográfico) do que poderia acontecer se não apanhasse o autocarro e tivesse que ir para Odivelas a pé. Perguntei-lhe se ela conseguia viver com isso de prejudicar tanto a vida a outra pessoa, só para comprar um vestido para a filha. A senhora lá se foi embora, pedindo desculpa, e eu lá fui a correr para o autocarro.
É preciso muita genica mental e muita criatividade para falar com as pessoas, em qualquer profissão. Ufa.


A irritada

Não aprecio que as funcionárias de uma loja andem coladas a mim a oferecer a sua ajuda de 5 em 5 minutos. Isso chateia-me. Muito. Por isso, nunca fui assim quando trabalhava na loja. Dizia "Bom dia" com um grande sorriso e oferecia-me para ajudar uma única vez, deixando as pessoas à vontade. Se as via a procurar alguma coisa ou com um ar de quem podia usufruir da minha ajuda, era capaz de a voltar a oferecer.
Numa destas ocasiões, em que vi uma senhora a procurar desenfreadamente um número de camisola numa prateleira onde todos os números que existiam já estavam ali, tive a ousadia de lhe indicar que só tínhamos o que estava exposto e que, se ela quisesse, podia ajudá-la a procurar outros artigos. 
Não sei se foi a minha voz, a minha cara, ou o facto da senhora ter rinite ou sinusite (ou outra coisa qualquer que por acaso não acaba em ite e que também faz as pessoas andarem a fungar repetidamente de 1 em 1 segundo) mas a senhora estava com tolerância 0 para os meus préstimos.

Responde-me ela, visivelmente zangada: "Você limite-se a falar comigo quando eu lhe perguntar alguma coisa. Se não lhe pergunto nada, mantenha-se calada." 

Fiz continência mentalmente e voltei para o meu lugar, pensando que ter rinite (ou não ter outra coisa qualquer) pode mexer mesmo com o humor de uma pessoa.

O casal açoriano

Às vezes parece que só nos lembramos da malta doida que passava pela loja mas até nem é assim. As pessoas bonitas também são memoráveis.
Atendia muitas vezes um casal açoriano que ia comprar roupa para os netos. Era muito engraçado porque a senhora era muitíssimo organizada e trazia sempre escrito o que queria, nas cores que queria e nos tamanhos exatos. Era muito fácil atendê-la.
Às vezes vinha ela, outras vezes o marido e outras vezes os dois. Atendia-os muitas vezes e como as minhas colegas sabiam que gostava muito deles e já sabia o que queriam, deixavam-me ser sempre eu a atende-los. Uma vez a senhora encontrou-me na casa de banho do Colombo e começou a falar-me das peças que tinha comprado, adiantando que precisava de trocar uma ou outra. Eu, que tinha verdadeiro gosto e até orgulho em atende-la bem, mesmo ali na casa de banho, dei-lhe toda a atenção e prestei o melhor serviço que podia.
Eram clientes tão simpáticos, tão educados e queridos! Pareciam mesmo pessoas excecionais! Adorava atendê-los e conversar com eles.
Anos depois, já não trabalhava na loja e já tinha passado por dois trabalhos diferentes, acabei por tornar-me vizinha deles e cruzar-me com eles várias vezes. 
O senhor era professor na Universidade dos Açores (já deve estar reformado) e encontrei-o na apresentação de um livro de uma amiga. O senhor fez uma apresentação belíssima, muito inspirada e onde revelava não só sabedoria como um grande humanismo.
Nos Açores, nunca falámos  mais do que um "Bom dia" ocasional, mas sorrio sempre que passo por eles, já velhinhos e sempre muito queridos.

Alguém se identifica com algum destes clientes? 

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